Apresentação
Bienal de Veneza
A Bienal de Veneza, fundada em 1895, é o mais importante evento dedicado à arte da atualidade. A cada dois anos, no fim de maio ou no início de junho, a cidade italiana acolhe múltiplos artistas e demais agentes da cena internacional para a inauguração do evento e, durante o verão, recebe inúmeros visitantes. A seleção de artistas para a Bienal de Veneza processa-se de dois modos. O primeiro é a convite do comissário nomeado pela organização do evento, que comissaria uma exposição patente no Arsenale e num pavilhão nos Giardini. As presenças nacionais constituem o segundo. Estes projetos, de iniciativa do governo de cada país, ocupam pavilhões nos Giardini ou espaços temporários espalhados por Veneza.
Joana Vasconcelos
Joana Vasconcelos é uma comentadora do real. A artista interpreta o presente através de uma leitura crítica das mitologias e das iconografias da sociedade ocidental. Vasconcelos desconstrói os valores, hábitos e costumes para questionar a identidade pessoal e coletiva, releve esta do género, da classe ou da nacionalidade. A sua prática assenta na apropriação de objetos e imagens do imaginário comum e na sua meticulosa reconstituição, habitualmente alicerçada em técnicas com carácter artesanal – geralmente associadas ao labor feminino – e em materiais com matriz popular – têxteis e azulejos, entre outros. A artista atribui, assim, novos sentidos aos elementos que transforma. Este processo enuncia uma tensão entre a alta e a baixa cultura, as esferas pública e privada, o local e o global e a tradição e a contemporaneidade.
CONCEITO
Trafaria Praia é o projeto de Joana Vasconcelos para a Participação de Portugal na 55ª Exposição Internacional de Arte – la Biennale di Venezia. O projeto analisa a relação histórica entre Portugal e Itália, que se desenvolveu através do comércio, da diplomacia e da arte. Lisboa e Veneza intersetam-se em diversos pontos; as duas cidades desempenharam papéis fundamentais na expansão da visão do mundo europeia durante a Idade Média e o Renascimento, redefinindo a imago mundi através do estabelecimento de redes entre o Ocidente e o Oriente. Trafaria Praia aborda a zona de contacto existente entre Lisboa e Veneza na contemporaneidade através de uma reflexão acerca de três aspetos fundamentais que as cidades partilham: a água, a navegação e o navio.
Vasconcelos propõe uma correspondência alegórica entre o cacilheiro, o icónico ferryboat de Lisboa, e o pitoresco vaporetto de Veneza. Os cacilheiros cruzam, diariamente, o rio Tejo, levando passageiros da Margem Sul a Lisboa e vice-versa. Os seus utilizadores regulares são habitantes da Margem Sul que trabalham em Lisboa. Até à edificação da primeira ponte entre Lisboa e a Margem Sul, em 1966, estes navios eram o único meio de transporte público entre a cidade e aquela região. Daí que os cacilheiros se associem, desde sempre, ao operariado e à classe média e sejam um conhecido símbolo social, com conotações políticas, em Portugal.
Pavilhão Flutuante
Vasconcelos levou um cacilheiro, o Trafaria Praia, para Veneza, onde o apresenta como pavilhão português. O Trafaria Praia pertence à Transtejo, que o desativou em 2011. Nos últimos seis meses, o navio sofreu transformações significativas no estaleiro Navaltagus, situado no Seixal. Em Veneza, o Trafaria Praia atraca junto à paragem de vaporetto dos Giardini e circula pela lagoa, de acordo com um horário pré-determinado, durante a Bienal de Veneza. Assim, em vez de um convencional pavilhão com uma localização fixa, Vasconcelos cria um idealista pavilhão flutuante. A artista desterritorializa o território, pois, metaforicamente ultrapassando as lutas de poder que tão frequentemente marcam as relações internacionais.
Obra
Vasconcelos também apresenta o Trafaria Praia como arte. Seguindo a lógica do readymade assistido, inaugurada por Marcel Duchamp, a artista mudou o objeto sem o desfuncionalizar. No exterior do navio, da proa à popa, a artista aplica um painel de azulejos de grande escala em azul e branco, pintado à mão, que reproduz uma vista contemporânea de Lisboa, da Torre do Bugio à Torre Vasco da Gama. A obra inspira-se num outro painel de azulejos de grande escala, o Grande Panorama de Lisboa, que mostra Lisboa antes do sismo de 1755, e é uma expressão fundamental do estilo barroco da era dourada da produção azulejística em Portugal. Tal como em obras anteriores, a artista reveste um objeto com azulejos, assim convocando a dimensão arquitetural da azulejaria.
No convés do Trafaria Praia, Vasconcelos elabora um ambiente à base de têxteis e luz. Tal também ecoa obras anteriores, tais como Contaminação (2008-10) e a série "Valquírias" (em curso desde 2004). Estas obras consistem em formas orgânicas, geralmente coloridas e normalmente suspensas do teto, que interagem com as estruturas arquitetónicas circundantes. A nova obra é um complexo patchwork azul e branco que cobre o teto e as paredes, de onde emerge um emaranhado de peças crochetadas que incorporam LEDs. A instalação sugere uma atmosfera uterina, de tendência surreal, que remete para o fundo do mar – um cenário talvez evocativo do livro Vinte Mil Léguas Submarinas, de Jules Verne, ou alusivo à narrativa bíblica de Jonas e a Baleia. A obra envolve os visitantes, assim suscitando uma experiência tanto intelectual como sensorial.
Eventos
No tombadilho do Trafaria Praia, Vasconcelos introduz várias áreas, incluindo um palco. Neste contexto, promove-se a cultura portuguesa através da organização de eventos, entre os quais concertos e mesas-redondas. Destaca-se a programação diária do período inaugural. Durante as manhãs, ocorrem mesas-redondas com agentes da cena artística portuguesa, nas quais se debatem temas como a presença nacional na Bienal de Veneza e a representação da cidade. Ao fim da tarde, verificam-se concertos com músicos portugueses e convidados que protagonizam correntes musicais variadas, desde o clássico fado à experimental eletrónica.
Legenda
Trafaria Praia, 2013
Navio-motor de passageiros de 1960 em aço, revestimento e mobiliário em cortiça
1430 x 750 x 3010 cm
Grande Panorama de Lisboa (Séc. XXI), 2013
Azulejos Viúva Lamego pintados à mão sobre painel compósito
220 x 6000 cm
Valkyrie Azulejo, 2013
Croché em lã feito à mão, aplicações em feltro, tecidos, adereços, poliéster, LEDs, sistema elétrico
Dimensões vairáveis
DouroAzul, Porto
Pavilhão de Portugal
55ª Exposição Internacional de Arte
La Biennale di Venezia
Comissário: Miguel Amado
1 junho - 24 novembro 2013
Riva dei Partigiani/Laguna di Venezia